A falsa guerra contra o tráfico

Foto M.M El País Brasil

Nesta semana, alguns telejornais deram destaque à mais mortes de policiais no Rio de Janeiro, sempre tratando o tema de forma isolada e numa linha em que estes são vítimas de traficantes fortemente armados. Porém, inacreditável mesmo é ouvir um oficial militar, servidor do estado e representante da segurança pública, afirmar que “não sabe como cresce tanto o número de marginais nas favelas”, como se houvesse algum tipo de reprodução humana anormal nestes lugares e que traficantes surgissem naturalmente nas favelas, disseminando um tom de ódio contra a pobreza, fazendo-o crescer paulatinamente nas classes mais abastadas.

Ao ler duas curtas reportagens do El Pais, fica fácil identificar que o projeto de segurança pública do estado tem como meta o controle do tráfico através da disseminação do terror. Este trecho, extraído de um dos artigos, expressa uma realidade pouco debatida e erroneamente combatida:
“O Governo está destruindo a Rocinha para ajudar outra facção criminosa a entrar no lugar da que está aqui e com isso nós estamos no meio deste inferno, sem luz, sem água e sem segurança”.

Diariamente, cidadãos pobres e em sua maioria pretos (PMs) matam outros cidadãos pobres e pretos nas favelas. Em um rápido apanhado de entrevistas e depoimentos, a corregedoria da PM levantou uma série de abusos e violações de policiais que aterrorizam em busca de falsas apreensões ou execuções de “seus inimigos”.
A sociedade civil também se torna responsável ao comprar o discurso midiático e reproduzir o jargão de que estamos em uma “guerra contra o tráfico”, como se isso justificasse os massacres diários nas comunidades.
No Rio de Janeiro, estamos de fato em constantes conflitos entre máfias cujos soldados dividem-se entre os que se deformaram pela violenta realidade das periferias e os que se formaram nas academias militares, onde se constrói um ódio direcionado à pobreza numa “pedagogia” de alienação e submissão. Os soldados do tráfico ou da PM se diferenciam pouco, são da mesma raça, classe e morrem cedo. Ambos se cegam e brigam para manter o funcionamento de um sistema cruel, seguindo ordens suicidas de seus comandantes (patrões) para garantir os milhões de propinas e rendimentos de grandes negociatas do tráfico de pessoas, armas e drogas.

A diferença está no que é veiculado como comando. Nas favelas, geralmente são os peixes pequenos superdimensionados pela mídia como perigosos traficantes. Contudo, os grandes chefões não estão nas comunidades, mas sentados nas cadeiras do Palácio Guanabara, ALERJ e quartéis da PM, vestindo fardas condecoradas, ternos e gravatas, limando mais vidas com uma caneta do que todos os fuzis juntos nas favelas.

Reportagens comentadas no texto acima:

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/26/politica/1516922262_587200.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/08/politica/1510148229_299346.html