Estamos às cegas numa floresta escura com a falta de dados

Há duas semanas um banco suíço, UBS, fez a previsão de que o Brasil estaria chegando ao pico de sua pandemia no fim de abril, com 65 mil casos. O interesse do mercado financeiro em retomar as atividades é óbvio. Agora é Atila Iamarino que diz que o Brasil está achatando a curva… Não quero contrariar seus fãs, mas ele é um analfabeto político e social. Não é a primeira vez que ele comenta que estaríamos achatando a curva. Pena que a nova reportagem em que fala isso sai um dia depois de termos confirmado 6 mil infectados no Brasil. Não sei qual o cálculo que usa para fazer esse juízo, mas é evidente que só podemos nos basear nos dados oficiais (somando as possíveis mortes não notificadas) para  qualquer coisa. E os dados oficias, subnotificados, nos indicam uma aceleração do contágio. Como o isolamento social já foi maior há varias semanas atrás, o retrato que temos agora não é de achatamento. E essa explosão ocorre num momento em que São Paulo, o estado com mais contágio e óbito, zerou sua fila de testes (portanto os números, apesar de limitados, oferecem uma leitura mais recente da realidade). Várias capitais brasileiras já entraram em colapso e isso acontece num momento de distensão do distanciamento social, com muitos governadores começando a reabrir as atividades econômicas ou pensando em fazê-lo. Amanhã provavelmente passaremos a China em número de óbitos oficiais e até agora não tivemos nada que fosse parecido com uma política de isolamento como a adotada lá. O que Atila faz é ajudar a embasar essa política oficial de que o pior já passou e já podemos, aos poucos, voltar ao normal. Mas o normal, como ele bem afirmou várias vezes, já não existe mais – já não existia antes, mas por outros motivos. Mesmo que não queira, é isso o que ele faz. Uma pena já que suas análises das pandemias passadas são boas.
Estamos às cegas numa floresta escura com a falta de dados (que agora o ministro chapado de cloroquina transformou em álibi pra não fazer nada) e isso faz com que muitos queiram uma palavra de esperança. Há uma corrente crítica que acha que o medo é a origem da razão. Mas a razão, no seu desenvolvimento até à ciência, passou a confiar cegamente nos instrumentos que maneja. Aqui temos o curto-circuito em que a ciência vira religião: sua utilidade principal é confortar os passageiros de um mundo desgovernado, sem se preocupar em por freios a esse movimento.