Ferguson, Ayotzinapa e Hong Kong: diferentes faces da mesma realidade

No dia de ontem, manifestações populares ocuparam as ruas de uma centena de cidades. México, Estados Unidos e China, três países com diferenças culturais e políticas aparentemente enormes, compartilharam um mesmo destino: foi o cenário para demonstrações de raiva e dor pela perda de direitos fundamentais dos seus cidadãos. Diferentes culturas, porém um mesmo sistema econômico, que gera a mesma exclusão social, a mesma gigantesca distância entre classes sociais e a mesma falta de democracia, porque o que interessa aos governantes é garantir o lucro dos seus parceiros empresários e não o melhor para os cidadãos, que insistem em participar das decisões políticas. Este estado de coisas só pode ser mantido com a utilização da polícia como corpo de repressão de qualquer manifestação social.
Neste 1º de dezembro, nos Estados Unidos, houve manifestações em mais de 80 cidades, distribuídas em 30 estados. Estudantes, professores e trabalhadores, saíram as ruas especificamente às 12:01 pm, horário no qual o jovem negro Mike Brown, desarmado e com as mãos em alto, foi atingido pelas balas, em Ferguson, Missouri. Portando cartazes com legendas como “No Justice, No Peace” (sem justiça não há paz) ou “Jail killer cops” (cadeia para os policiais assassinos), a população invadiu shoppings, universidades, colégios e ruas, deitando no chão para teatralizar a morte de Brown e de outras vítimas da violência policial. Em Chicago, um grupo de ex-veteranos de Vietnã pediu a desmilitarização da polícia em um ato público. Em Los Angeles, as manifestações se concentraram no local onde, na mesma noite em que a Corte americana decidiu não indiciar ao policial que matou ao Brown, a polícia matou Ezell Ford, outro adolescente negro. Em Missouri, cinco jogadores negros do time de futebol americano, o St. Louis Rams, entraram em campo com as mãos levantadas, apoiando assim a campanha “Handsup”, em homenagem às vítimas da violência policial.

AFP Photo / Scott Olson

AFP Photo / Scott Olson

      No México, ontem foi um dia de passeatas e bloqueio de estradas em protesto pelo desaparecimento de 43 estudantes secundaristas, acontecido no dia 26 de setembro deste ano, na localidade de Iguala. Milhares de pessoas marcharam no Distrito Federal, numa caminhada encabeçada pelos pais das vítimas. Os protestos também aconteceram nos estados de Chiapas, Oaxaca e Guerrero e em mais de 60 cidades, onde houve ocupação de postos de pedágio, comércios, universidades e sedes municipais. A indignação frente à morte dos estudantes pelas mãos de policiais se voltou contra o governo: “Fuera Peña” (fora Peña – presidente do México) foi o grito mais escutado, acompanhado de pichações com inscrições como “Abajo el régimen” ou “Muera el mal gobierno”. A morte dos estudantes colocou sobre a mesa, de maneira terrivelmente cruel, a conivência do governo mexicano com os carteis de droga e os grupos paramilitares, que atuam em no território muitas vezes conjuntamente com a polícia estadual e federal.

YURI CORTEZ / AFP

YURI CORTEZ / AFP

 

       No outro extremo do planeta, em Hong Kong, China, os ocupantes da estação Central da cidade tiveram um dia intenso. A ocupação, que dura já dois meses, começou quando o governo chinês anunciou que todos os candidatos para o cargo de Chefe Executivo de Hong Kong nas eleições de 2017 deveriam ser aprovados previamente por um comitê nomeado por Beijing. O movimento, conhecido internacionalmente como “revolução dos guarda-chuvas”, atraiu para as ruas milhares de estudantes, professores, trabalhadores e artistas, que criaram um clima de verdadeira festa cultural em pleno centro financeiro da cidade. Porém a falta de diálogo com o governo chinês, que negou o visto para que a comissão enviada por Hong Kong entra-se na China, deixou os ocupantes em um beco sem saída. No dia de ontem, os estudantes planejaram cercar os prédios governamentais, como uma medida para forçar o governo a conversar. O resultado foi uma violenta repressão. Após os incidentes, três dos líderes do movimento fizeram um chamado, divulgado hoje, que convida os manifestantes a saírem das ruas e voltarem para suas casas. Alegam que já houve muitos feridos (se calculam por centenas, igual que os detidos) e que a permanência na ocupação só pode gerar mais violência. Os três ativistas declararam que se entregarão a polícia amanhã e assumirão a responsabilidade pelas manifestações. Pela sua parte, os estudantes não aceitaram o chamado e chamaram a população a se manter nas ruas. O governo da cidade declarou que a partir de agora utilizará a força para desocupar as ruas a qualquer custo.

Laurel Chor, Coconuts Hong Kong

Laurel Chor, Coconuts Hong Kong

A resposta dos países ditos democráticos não foi muito diferente da China. Nos Estados Unidos, as manifestações de solidariedade à Ferguson já deixaram mais de 500 pessoas detidas só nos últimos cinco dias, e um número não contabilizado de feridos. No México cada manifestação termina com cenas de violenta repressão por parte da polícia, ao passo que o ódio dos manifestantes pelas forças da ordem vai aumentando dia após dia. Em ambos os países a guarda nacional foi acionada para as cidades onde se organizaram as passeatas, e batalhões especiais acompanham os manifestantes, sempre prontos a lançar gases lacrimogêneos, spray de pimenta ou a fazer uso dos seus cassetetes.
Os 43 estudantes de Iguala só queriam melhores condições para a escola rural onde estudavam. Os hongkoneses só querem poder escolher seus governantes democraticamente. Mike Brown só queria andar pelas ruas em um país onde ser negro é ser delinquente. Educação básica, participação popular, livre circulação pela cidade: direitos fundamentais que hoje estão em risco no mundo todo.