Especialista no assunto, fala sobre o aumento de casos de HIV no Brasil

Em entrevista concedida ao pavio.net, Salvador Corrêa, membro da equipe da coordenação executiva da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), fala sobre os casos de HIV no Brasil e as falhas nas campanhas de prevenção.

1) O senhor poderia nos explicar o que significa exatamente um aumento no número de casos de HIV registrados no período 2005-2013?

Esse aumento surge num contexto em que os movimentos sociais são afastados das decisões sobre as políticas de saúde no país. Há alguns anos a ABIA, assim como outras organizações da sociedade civil, tem alertado para a grande irresponsabilidade governamental de permitir com que forças conservadoras ocupem, cada vez mais, espaços nas decisões do país, sejam na esfera legislativa, sejam na esfera executiva. Cabe lembrar que em 2012 tivemos uma campanha vetada pelo fato de ter como público-alvo homens jovens gays, um dos grupos afetados pela epidemia de HIV/AIDS. Em 2013 materiais voltados para profissionais do sexo foram vetados, e o coordenador do Departamento de DST/AIDS do Ministério da Saúde foi demitido.

2) Há diferença entre o número de casos de pessoas infectadas com o vírus e o número de casos de pessoas com AIDS?

Sim, existe diferença. Ter HIV (vírus causador da AIDS) não é mesma coisa que ter AIDS. Muitas pessoas podem possuir o vírus sem apresentar nenhum sintoma de AIDS durante muito tempo, mas mesmo assim podem infectar outras pessoas em relações sexuais sem prevenção. A AIDS é o grau mais avançado da doença que ataca as defesas do organismo, deixando o corpo vulnerável a diversas doenças.

3) Quais são atualmente as principais vias de infecção?

A principal via de infecção hoje no país é sexual. Especialmente a relação sexual que não possui nenhum tipo de prevenção. Vale ressaltar que a camisinha pode prevenir muitas doenças, inclusive a infecção por HIV, e também é um método anticoncepcional. Entretanto, existem outras formas de prevenção do HIV, algumas já disponíveis no SUS, mas ainda com dificuldades de acesso. Seguem algumas:

a) Profilaxia Pós Exposição (PEP): o uso de medicação antirretroviral após um contato com o vírus pode reduzir as chances de infecção. Ex.: se a camisinha estoura e sabe-se que um dos envolvidos na relação sexual tem HIV, a pessoa que não tem o vírus deve procurar um serviço de saúde e fazer o uso de medicação por 28 dias. O ideal é que seja iniciada a medicação o quanto antes, não devendo ultrapassar o tempo de 72 horas após a relação sexual;

b) Terapia antirretroviral: o paciente com HIV em tratamento antirretroviral e com carga viral indetectável reduz em até 96% as chances de transmitir o vírus HIV para alguém em sua relação sexual;

c) Camisinha: deve ser utilizada de forma correta, evitando deixar o “ar” ao colocar. Nunca deve ser usada mais de uma camisinha. Pode-se escolher o uso de camisinha masculina ou feminina, mas nunca as duas ao mesmo tempo.

4) Por que o Brasil está na contra-mão do resto dos países?

Para responder sua pergunta vou citar um exemplo prático de como poderíamos obter sucesso na prevenção. Quando um paciente que se descobre com HIV, consegue acessar ao serviço de saúde e passa por um aconselhamento que respeita suas decisões, tem opção de escolher onde vai se tratar, tem garantido seu sigilo, podemos ter um caso de sucesso na adesão ao tratamento. Com uma boa adesão e o vínculo estabelecido com o serviço de saúde, o paciente poderá optar por iniciar a TARV a qualquer momento (sem pressão) e o risco de transmitir o vírus pode ser reduzido em até 96%. Por outro lado, se o paciente inicia a medicação de forma obrigatória, é maltratado nos serviços de saúde e não consegue fazer uma boa adesão, ele poderá afastar-se dos serviços de saúde e desenvolver um vírus ainda mais resistente, já que a medicação não deve ser descontinuada. Infelizmente temos recebido muitas denúncias sobre a realidade de pessoas que vivem com HIV no Brasil: dificuldades de marcar médicos, preconceito de profissionais de saúde, falta de medicamentos antirretrovirais, dificuldades de acesso ao preservativo (alguns casos chegam a exigir receita médica para dispensar), dificuldades para acessar serviço de psicologia (a depressão é o transtorno mental que mais acomete pessoas com HIV). Como os canais de comunicação do governo com a sociedade civil estão fragmentados, o Brasil perde com grandes retrocessos. O país já obteve uma resposta à epidemia reconhecida internacionalmente justamente em função dessa construção coletiva com a sociedade, que hoje se perdeu.

– O senhor acredita que isto seja devido a uma falha nas campanhas de prevenção, no tratamento ou em ambas as coisas?

As duas coisas. As falhas no tratamento são muito grandes, como apontamos na pergunta anterior e variam de acordo com a região do país. As campanhas de prevenção perderam a ousadia que já tiveram no passado. O conservadorismo tem sido um grande problema na prevenção brasileira.

– O que o senhor acha que deveria mudar?

Antes de qualquer coisa, o governo precisa resgatar o diálogo com a sociedade civil em espaços efetivamente representativos, e discutir todos os problemas apresentados de modo a viabilizar a construção coletiva dessa resposta. A simples importação de modelos de outros países, mesmo que os tenham boas estratégias, não será suficiente para recuperar o êxito na resposta brasileira para enfrentar a epidemia, que segue crescendo em alguns grupos da população brasileira.