O discurso vazio e mentiroso do apoio à Ciência e Tecnologia
Imagem: Hypochondriac, uma Instalação artística de Klari Reis composta de 365 placas de Petri.
Como o governo e a mídia corporativa constroem um discurso vazio de apoio à ciência e tecnologia, distanciando a população da importância estratégica de investimentos nessas áreas? Atualmente, o Brasil pode estar vivendo uma das maiores crises de saúde pública associada a doenças transmitidas por mosquitos e ao mesmo tempo enfrenta o maior desmonte de instituições públicas, incluindo universidades, centros de pesquisa e atenção à saúde.
Além dos vírus causadores da dengue, zika e chikungunya, atualmente se tem acompanhado o drama da febre amarela. O estado de Minas Gerais já registrou 32 mortes e investiga outros 82 casos (1); no Espírito Santo, já são 22 casos suspeitos, três mortes em investigação e uma confirmada (2); e no estado de São Paulo, acabam de confirmar três mortes provocadas pelo vírus (3). Só com os números registrados nestes primeiros dias do ano, já se vive o maior surto de febre amarela da última década (4). Para se ter uma dimensão do problema, o somatório de casos entre 2010 e 2016 totalizaram 23 doentes e 13 mortes, e entre 2012 e 2014 não houve nenhuma morte registrada.
Não precisa ser um grande especialista para estranhar estes números e observar que algo aconteceu para desencadear esse novo surto. Além disso, a febre amarela não pode ser vista de forma isolada das demais arboviroses. No ano de 2015, o Brasil registrou um recorde no número de infectados por dengue (1,6 milhão de pessoas) e, neste mesmo ano, acompanhamos o drama das 2.782 crianças nascidas com microcefalia e 40 mortes associadas ao vírus zika. Em 2016, foram mais de 200 mil casos e 91 mortes em decorrência da febre chikungunya (5).
Não existe um programa sério e consolidado de combate a vetores neste país, não existe um mapeamento nacional para controlar endemias e surtos ou acompanhar os efeitos drásticos de grandes impactos ambientais promovidos por desmatamentos, grandes construções e “acidentes” ambientais. Além disso, há um projeto de desmonte dos poucos programas que existem de atenção básica e saúde preventiva. A tragédia anunciada de Mariana, sob total responsabilidade da Empresa privada Vale – Samarco, pode ser um dos principais motivos que desencadeou o atual surto de febre amarela. Na primeira quinzena deste ano, a Bióloga da Fiocruz Márcia Chame destacou a relação deste crime ambiental com o surto da doença. A pesquisadora baseou esta hipótese na sobreposição dos casos com a localização geográfica de cidades mineiras e capixabas, impactadas pela maior tragédia ambiental registrada no país (6-13). O rompimento da barragem da Samarco aconteceu em novembro de 2015 e todas as medidas adotadas caminham no sentido de maquiar os impactos materiais. Além disso, nenhum investimento em pesquisa e/ou saúde pública preventiva foi adotado.
Diante deste cenário, qual está sendo a conduta do Governo Federal? Uma das primeiras medidas foi à extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia – agora fundido ao Ministério das Comunicações -, apesar das duras críticas de professores e pesquisadores de todo Brasil (14). A pasta foi entregue ao político Gilberto Kassab, atualmente investigado por corrupção supostamente praticada enquanto prefeito de São Paulo (15). Em seguida, identifica-se uma série de reduções em investimentos nos principais órgãos de fomento à produção cientifica nacional – CNPq e FINEP (16,17). Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se promovem estes cortes no incentivo à saúde e à pesquisa, o mesmo Ministério apresenta um pacote bilionário para resgatar da falência uma empresa privada de telecomunicações (18).
Neste mar de lama, observam-se tragédias semelhantes em alguns estados. Mediante à suposta crise econômica, governos optam por estrangular o desenvolvimento científico e tecnológico com uma conduta cruel de asfixia às Universidades públicas e escolas técnicas. O exemplo mais crítico e latente tem acontecido no Rio de Janeiro, a UERJ, UENF, UEZO e FAETEC correm o risco real de fecharem as portas por falta de repasses do governo. A população fluminense tem participado da luta diária pelo não fechamento destas instituições, ao mesmo tempo em que assiste a prisão de um ex-governador e sua esposa – acusados de desvio de recursos públicos, os quais seriam suficientes para manter estas instituições funcionando e atendendo, principalmente, os cidadãos mais pobres, com maior dependência destes serviços que são públicos e gratuitos (19).
Na linha do desmonte dos serviços públicos o governo trabalhou muito para aprovar a trágica PEC 55 – PEC 241, que congela os recursos da saúde pelos próximos 20 anos, outro exemplo recente do desmonte da atenção básica à saúde é a aceitação do Bloco de Custeio: esta é uma medida proposta pelo Ministério da Saúde que permite que os antigos Blocos de Financiamento do SUS – regulamentados por uma portaria que direciona os gastos para a Atenção Básica, Vigilância em Saúde, Medicamentos e Gestão – tornem-se um só. Isso significa que o Governo Federal repassará os recursos para uma conta única da prefeitura, cabendo ao gestor local decidir onde usará os recursos. Os setores mais prejudicados serão o da Atenção Primária, que já foram duramente golpeados no final do ano passado, ao receberem autorização do Ministério da Saúde para reduzirem, até a metade, a equipe médica das UPAS (20) – que são as unidades responsáveis pelos primeiros atendimentos e redirecionamento dos pacientes infectados com as arboviroses (dengue, zika, chikungunya e febre amarela) que precisam ser acompanhados de acordo com sua classificação de risco.
Diante disso, qual é a construção crítica que se faz para destacar a incoerência em estarmos vivendo surtos de doenças em paralelo a um (des)governo que corta gastos em saúde, educação, ciência e tecnologia? Diariamente, em programas de rádio e televisão, os números de casos e morte da febre amarela são atualizados. Entretanto, quantas vezes se fez alguma associação ao crime ambiental promovido pela Vale – Samarco? Este talvez seja o primeiro problema de saúde associado ao rompimento de barragem. Quais são os investimentos públicos que estão sendo anunciados para monitorar, controlar ou evitar o surgimento de novos surtos ou outros problemas de saúde pública? Os números mostram que a busca por atendimento aumentará, como que a politica nacional é reduzir projetos de atenção básica a saúde?
Os interesses corporativos são priorizados em detrimento do bem público! O Brasil vive um momento crítico, mas ainda existem instituições públicas autônomas, fortes e muito respeitadas. Mais do que nunca, é preciso fortalecê-las, unindo forças para que as universidades, instituições de pesquisa e unidades de saúde continuem sendo públicas e gratuitas. A missão do serviço público na saúde e ciência é atender as demandas da população, e isso é feito porque os pesquisadores possuem autonomia e não são oprimidos por interesses privados. É preciso manter a liberdade do conhecimento e da pesquisa, isso nos fornece ferramentas para controlar condutas de grandes empresas que só trabalham de acordo com seus interesses políticos e econômicos. É preciso lutar com liberdade contra os abusos cometidos pelas empresas de planos de saúde, agroindústrias – responsáveis por grandes áreas de desmatamento – e mineradoras, como a Vale, que promovem impactos ambientais irreversíveis.
É tempo de ir à luta!
5- http://www.cartacapital.com.br/revista/886/e-haja-mosquitos e http://www.abiclor.com.br/2016/09/19/pais-registrou-91-morte-por-chikungunya-e-216-mil-casos-este-ano/e https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2015/12/22/brasil-chega-a-2782-casos-suspeitos-de-microcefalia-e-40-mortes.htm
15- http://www.cartacapital.com.br/blogs/direto-de-sao-paulo/fraude-gestoes-serra-e-kassab-denunciada
16- https://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2016/08/06/cnpq-corta-20-das-bolsas-no-pais.htm
18- http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/a-falencia-da-oi-e-a-entrega-do-patrimonio-publico