Ilha Grande: O retrato do projeto privatista do Governo do Estado do RJ

Quem visita hoje a Ilha Grande percebe algumas mudanças significativas e essas mudanças estão no traçado da linha política do governo do Estado do Rio de Janeiro. Este governo tem como mote o sucateamento dos espaços e serviços públicos associado com a “farra” das empreiteiras com os recursos públicos e o desenfreado processo de privatização.
Antes de embarcar o primeiro impacto já pode ser percebido no valor da passagem da barca, este transporte público que sai de Mangaratiba ou Angra dos Reis está custando R$ 15,00 por trecho. O uso do bilhete único foi cancelado para os usuários em geral e só pode ser usufruído por moradores cadastrados da Ilha Grande. Este reajuste, de aproximadamente 300%, cria mais uma barreira orçamentária para as famílias mais pobres, que antes conseguiam desfrutar das belezas naturais da Ilha. Muitas dessas pessoas saíam de suas casas na região da costa verde para passar um dia neste paraíso tropical, que está cada vez mais sendo explorado, quase que com exclusividade por turistas internacionais que, em sua maioria, podem pagar com facilidade este valor ou até outras opções mais caras.

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Ao chegar à Ilha nos deparamos com um canteiro de obras do Governo do Estado em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Este canteiro está na Vila de Abraão e invade grande parte da área de lazer de uma praça localizada em frente a única escola pública da ilha. Na frente do canteiro há a informação de que se trata da “Execução dos serviços técnicos especializados de engenharia para a elaboração dos projetos executivos e execução de obras de saneamento, drenagem e urbanização”, um investimento total de mais de 28 milhões de reais e que será executado pela empreiteira, já citada na “Operação Lava jato” Hécio Gomes Engenharia. Esta empreiteira doou milhares de reais para a campanha eleitoral do Governador licenciado Luiz Fernando Pezão [1], já foi denunciada por se beneficiar de aditivos milionários e só em 2014 já tinha faturado mais de 27 milhões de reais com o governo fluminense [2].

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O impacto não para por aí. Caminhando até a Vila Dois Rios, local historicamente conhecido por abrigar o Presídio Candido Mendes, que ali funcionou até 1994, observamos outras formas de atuação do Estado. Após a extinção da unidade carcerária, parte das instalações foi concedida à UERJ para que lá fossem desenvolvidas atividades de ensino, pesquisa e extensão. A partir de 1998 o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS) [3] passou a funcionar recebendo mensalmente estudantes, pesquisadores nacionais e internacionais que desenvolvem seus projetos em vários pontos da Ilha Grande. Dentre as diversas atividades, são executados projetos de pesquisa e extensão que resgatam o histórico da Vila e do presidio, sendo um dos principais resultados a inauguração do Ecomuseu Ilha Grande, em 2009.

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O CEADS funcionou por mais de 17 anos e o Ecomuseu ficou aberto ao público por, aproximadamente, seis anos. Hoje estes dois espaços públicos de produção e divulgação de conhecimento estão totalmente abandonados. O Ecomuseu, que tinha entrada gratuita e oferecia preciosas informações sobre a Vila, o presídio e a Ilha, como um todo, está fechado por tempo indeterminado, como indica o aviso afixado em sua porta. O CEADS está sem repasse de recursos e todos os funcionários terceirizados, exceto a segurança, estão sem receber seus salários. Além disso, não existem investimentos para fazer a manutenção básica e comprar os insumos que garantiam a permanência de estudantes, professores e pesquisadores durante as suas aulas ou trabalhos de campo.

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O retrato do descaso com o bem público pode ser observado com facilidade na Ilha Grande, e o pacote de maldades não para por aí: um projeto de Parceria Público Privada está em marcha. Esta proposta visa transferir a administração insular para a iniciativa privada, o que inclui a cobrança de ingresso para ter acesso a ilha, o total controle de atividades de exploração turística e pode limitar as atividades de pesquisa desenvolvidas pela Universidade. Em ritmo de olimpíadas, onde observamos claramente a opção de investimentos bilionários em arenas e um evento privado de curta duração, este é mais um dos cenários do projeto de desfinanciamento dos espaços de produção de conhecimento. A UERJ agoniza durante este processo e o CEADS parece estar em seus últimos suspiros. Foi neste espaço que se formaram centenas de estudantes e profissionais que identificaram que a luta pela preservação ambiental não existe sem autonomia, compromisso social e investimento público.

1 -http://extra.globo.com/noticias/brasil/eleicoes-2014/doadores-de-pezao-foram-beneficiados-pelo-governo-em-contratos-que-somam-54-bilhoes-13652447.html
2- http://veja.abril.com.br/brasil/fornecedoras-do-governo-pezao-doam-milhoes-ao-pmdb/
3- http://www.sr2.uerj.br/ceads/index.php/home