Brasil pode ser pioneiro de uma catástrofe anunciada: o caso do eucalipto transgênico
Plantação de eucalipto transgênico pode agravar a crise hídrica e prejudicar a produção de mel do pais
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela autorização do uso de transgênicos no Brasil, adiou a liberação do eucalipto transgênico, excluindo-o da pauta do dia 5 de março (1). O adiamento se deu em função de fortes pressões dos movimentos sociais, que são contrários à comercialização desta espécie transgênica no Brasil. No dia anterior à reunião da CTNBio, militantes de movimentos sociais dos estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais ocuparam a empresa FuturaGene Brasil Tecnológica, no Município de Itapetininga (SP), no contexto da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Camponesas (2).
Breve história do eucalipto transgênico
Em 2013, se iniciou nos Estados Unidos o processo de legalização da primeira árvore florestal transgênica: um eucalipto geneticamente modificado para ser tolerante ao congelamento. O pedido foi feito pela ArborGen, empresa americana na qual trabalham muitos ex- funcionários da já conhecida Monsanto. Sua ex-diretora-executiva, Barbara Wells, foi chefe da Divisão de soja geneticamente modificada Roundup Ready da Monsanto no Brasil, há 18 anos (3).
No Brasil, a FuturaGene iniciou a pesquisa do eucalipto transgênico no interior paulista em 2001. A empresa havia sido criada em 1993, dentro da Universidade Hebraica de Jerusalém. Hoje ela mantém centros de pesquisa no Brasil, na China e em Israel. A FuturaGene é uma empresa de tecnologia da Suzano, a qual hoje é a segunda maior produtora de celulose do planeta (4).
A modificação genética do eucalipto da Suzano representa uma inovação mundial no campo dos transgênicos: é primeira planta cuja alteração resulta, diretamente, no aumento da produtividade. Até agora, as variedades vegetais transgênicas utilizadas, como a soja ou o milho, focavam em mudanças mais simples, com um número menor de variantes genéticas envolvidas, relacionadas à resistência a herbicidas ou a pragas (5). Esta versão transgênica do eucalipto atinge seu ponto de corte em cinco anos e meio, um ano e meio antes do que o eucalipto normal. Isto representa uma grande vantagem para a indústria do papel e a geração de biocombustíveis, produzidos a partir da biomassa destas árvores.
Em setembro de 2014, a CTNBio promoveu uma audiência pública para debater o assunto. A audiência foi solicitada pela FuturaGene com o objetivo de acelerar o processo, e contou com a presença massiva de funcionários da empresa. Mesmo com pouco espaço para o debate e tempo insuficiente, o Ministério do Meio Ambiente reforçou a preocupação com a falta de dados e pesquisas sobre a planta, alertando a necessidade de tratar a questão com mais cautela. Já o Ministério da Ciência e Tecnologia fez a defesa da liberação do organismo geneticamente modificado, mesmo sendo este severamente criticado pelos demais representantes do governo e pesquisadores (6).
Os dados globais sobre a transgenia na agricultura são compilados e divulgados anualmente pela ISAAA (International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications). O último relatório da organização indica que as culturas biotecnológicas já somam 175 milhões de hectares em 2013. Aumentaram em 5 milhões de hectares em relação a 2012. O Brasil tem a segunda maior lavoura transgênica do planeta (só fica atrás dos Estados Unidos). É, ainda, o país onde os OGMs (organismos geneticamente modificados) mais crescem (5).
Vale lembrar, aqui, uma decisão política que facilitou a aprovação dos transgênicos no Brasil. Em 2007, o então presidente Lula sancionou uma lei que reduziu o número de votos necessários à liberação de transgênicos, que passou de dois terços dos membros da comissão à maioria simples. Como a CTNBio tem 27 membros, o número de votos necessários à aprovação caiu de 18 para 14, sendo esta diferença fundamental para “destravar” a liberação dos transgênicos. Mais de 90% das plantas transgênicas permitidas hoje no país foram liberadas após essa mudança (7). A liberação do eucalipto transgênico para o plantio ainda não foi aprovada por nenhum país do mundo e o Brasil está prestes a ser o primeiro a fazê-lo.
Argumentos contrários à liberação do eucalipto transgênico
Segundo o Dr. Paulo Yoshio Kageyama, membro da CTNBio e professor titular da USP, o pedido de aprovação feito pela empresa “não apresenta as condições mínimas exigidas na análise de biossegurança para a sua aprovação”. O professor chama atenção ao fato de que os estudos de campo, que deveriam dar base ao pedido de liberação comercial, em sua maior parte, ainda não foram concluídos. Lembra também que “o Brasil assumiu o compromisso internacional de não liberar o plantio de árvores transgênicas antes de concluídos os estudos necessários sobre sua segurança. Chama a atenção que, além de não estudar organismos não-alvo, a Empresa não apresentou acompanhamento do ciclo completo destas árvores” (8).
Especialistas advertem que os impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana de uma árvore perene como o eucalipto são maiores do que os que podem apresentar as culturas agrícolas já utilizadas. Para o Dr. Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio, o eucalipto é uma árvore que retira muita água do solo, tanto que é plantado em solos alagados em várias regiões de fronteira no Rio Grande de Sul. A versão transgênica, que altera as células para apressar o crescimento, retira ainda mais água do solo, adiantando o processo de desertificação, principalmente em áreas com baixa disponibilidade hídrica (1). Grandes plantações desta árvore poderiam agravar drasticamente a atual crise hídrica pela que atravessa o pais.
O Brasil é o 10° produtor mundial de mel e 50% de toda a produção é para exportação, na sua maioria certificada como “mel orgânico” (9). Aproximadamente 30% do mel produzido no país tem como origem o néctar das flores de eucalipto. O pólen proveniente das árvores transgênicas possui o gene inserido artificialmente, o que significa que o mel também estará contaminado por material transgênico, o que levaria à perda da certificação e afetaria aos mais de 300 mil produtores de mel do país. “Os europeus, por exemplo, não aceitariam o nosso produto”, afirma Joelma Lambertucci de Brito, secretária executiva da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel) (5).
Por outro lado, a própria empresa FuturaGene reconhece que o pólen do eucalipto pode chegar a centenas de metros de distância destas árvores, sendo impossível impedir o cruzamento entre árvores de eucaliptos transgênicos e convencionais, e podendo contaminar estoques de outras sementes. Isto poderia levar a que os produtores de celulose e madeira, que utilizam árvores não transgênicas, percam as certificações socioambientais mundiais, dificultando sua comercialização.
Mais grave ainda é o risco à saúde que estas árvores geneticamente modificadas apresentam. Parte significativa dos riscos dos organismos transgênicos para o meio ambiente e à saúde provém de potenciais alterações não intencionais provocadas pela inserção “forçada” de genes exógenos. Essas alterações genéticas podem ser responsáveis pela produção de moléculas que o organismo não produz em condições naturais, inclusive toxinas ou substâncias alergênicas. Além dos genes que modificam o tempo de crescimento da planta, os eucaliptos transgênicos carregam o gene nptll, que confere resistência à diversos antibióticos e que poderá ser ingerido quando o mel for consumido. O efeito do gene nptll sobre as bactérias presentes tanto no trato intestinal das abelhas, como dos humanos, não é conhecido. Entretanto, a presença destas substâncias nas colmeias poderá selecionar patógenos resistentes ao antibiótico que poderão causar doenças de difícil controle nas abelhas. A ausência de estudos científicos conclusivos sobre os efeitos a longo prazo do consumo de néctares, pólen e produtos derivados (do mel principalmente) se aplica também no caso dos riscos para a saúde humana e dos organismos diversos que se alimentam destas substâncias (10).
Em consonância com as advertências dos especialistas e “tendo em vista o conjunto de incertezas sobre os efeitos a longo prazo para a saúde e meio ambiente do uso comercial de eucaliptos transgênicos”, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Associação de Agricultura Orgânica (AAO) assinam, junto ao Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um manifesto no qual solicitam que a FuturaGene retire o pedido de liberação comercial da árvore geneticamente modificada junto à CNTBio (11).
Neste contexto, é importante lembrar que no ano passado o Brasil foi um dos primeiros países no mundo em autorizar a liberação de mosquitos transgênicos na natureza, com o argumento de reduzir casos de dengue, mesmo diante as polemicas e posicionamentos contrários de grupos científicos nacionais e internacionais (12). Em Cidades onde já foram liberados estes mosquitos não foi registrada redução da doença, tampouco houve debate ou esclarecimento junto à população (13). Além disso, em Jacobina – BA, cidade onde houve testes com o mosquito transgênico, foi decretada situação de emergência, em face da epidemia de dengue ocorrida mesmo após a utilização destes insetos (14).
Como consideração final, vale ressaltar que as opiniões encontram-se divididas dentro da CNTBio, como exposto neste artigo, e cabe à sociedade informar-se para tomar as devidas providências que permitam um posicionamento e decisão a respeito desta questão que, sem dúvidas, afetará o meio ambiente e a saúde de toda a população.
Referências:
4- http://www.futuragene.com/pt/
8- http://pratoslimpos.org.br/?p=7607
11- http://www.idec.org.br/em-acao/em-foco/mel-brasileiro-sob-ameaca-de-contaminaco-transgenica
12- http://pavio.net/2014/04/16/mosquito-transgenico-avanco-cientifico-ou-apenas-interesse-economico/