Professor da UFRJ diz que proibição da maconha é irracional

Professor João Menezes Foto: Elisa Monteiro

Há cerca de dez anos, o médico e professor da UFRJ, João Menezes, busca trazer aspectos da biologia das drogas ilícitas para o debate político sobre proibição do uso da maconha.  “Um senso de responsabilidade com a sociedade” o trouxe para o tema, argumenta Menezes, especialista em neurobiologia. “Quando meu filho fez dez anos, me preocupei em entender por que a maconha era proibida. Não queria que ele vivesse neste mundo de proibição, violência e corrupção sem uma justificativa apropriada”, relata o professor que é fez pós-doutorado na MGH/Harvard Medical School (EUA).

Segundo João Menezes, ao vasculhar a literatura científica e histórica sobre o tema a irracionalidade da proibição mostrou-se evidente. “Eu não poderia ficar calado frente a este descalabro. Milhares de jovens no mundo são condenados injustamente a um comércio vil patrocinado por esta proibição irracional. E milhares de pacientes que poderiam se beneficiar do uso da maconha são presos ou impedidos de usar a planta e seus benefícios. Me pergunto quem vai pagar por isto?”.

Menezes é pesquisador do Programa de Anatomia do Programa de Diferenciação Celular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/CCS). O professor foi um dos convidados do Encontro Estadual Antiproibicionista realizado na UFRJ. Ele expôs sobre o tema “Drogas e  Saúde Pública”.

Em termos científicos, qual a relação entre o uso de psicotrópicos e o desenvolvimento de doenças mentais e da loucura?

JM: Não existem evidências que vinculem diretamente o uso de psicotrópicos por adultos com o desenvolvimento de doenças mentais. O quadro muda de figura quando falamos de crianças e adolescentes, período em que o uso regular de drogas como álcool, tabaco e outros psicoativos pode aumentar os riscos de doenças mentais. Mesmo assim, não existe evidência conclusiva de que apenas o uso de psicotrópicos seja suficiente para deflagrar um quadro de doença mental.

O que é saúde metal? O vício pode ser considerado doença?

JM: A saúde mental é definida por um tripé de fatores de igual contribuição que podem ser agrupados entre os ambientais (família, classe social, condições de vida, guerras, etc), individuais (genética, história de vida) e da natureza das substâncias utilizadas (drogas, alimentos, etc). Mas é preciso ressaltar que doenças mentais e a loucura são termos vagos com várias conotações diferentes.  A dependência por drogas, por exemplo, pode ser considerada uma doença mental. Mas não existe garantia de que o dependente de alguma droga específica não teria outra manifestação de distúrbio mental caso não utilizasse a droga especifica.

A tolice da política de abstinência repousa nesta suposição não verificada. E por causa disto, é exigido um sacrifício moral do afetado como se fosse apenas uma questão de força de vontade e um desvio de caráter. Temos excelentes estudos sobre o assunto, mas a natureza da consciência e do funcionamento do cérebro humano ainda está longe de serem coisas completamente compreendidas. Esse conhecimento parcial não justifica a condenação do uso de drogas.

Então, o vício não pode ser considerado uma questão meramente fisiológica?

Não existe essa separação nítida entre a fisiologia do organismo e suas atividades sociais. São coisas interdependentes. O tripé explicado acima é fundamental. A substância é, no máximo, um terço da explicação.

O termo vício é uma tradução leiga para ‘addiction’ ou ‘vice’ em inglês. Mas é carregado de conotações negativas. Dependência a drogas é o termo mais usado atualmente, mas também não descreve o fenômeno corretamente. Em minha opinião, a dependência a drogas só é uma entidade nosológica (ramo da medicina que classifica as doenças) quando é acompanhada de sofrimento.

Pode explicar melhor o ponto?

Por exemplo, a maior parte dos brasileiros é viciada em café, um dos poucos sinais da dependência é a síndrome de abstinência devido à retirada eventual do produto. Mas devido à facilidade de obtenção e uso, a aceitação cultural e aos efeitos adversos bem conhecidos e tolerados, raramente a dependência ao café é tratada como dependência a droga, apesar de ser exatamente isto. Segue que a maior parte do sofrimento advindo do uso das drogas ilícitas é devido ao seu caráter ilegal e não a natureza da substância. Seria muito mais fácil tratar as dependências a drogas sobre um regime de legalização e regulamentação. A diminuição do uso do cigarro pela população brasileira sem que fosse necessário disparar um tiro está aí para comprovar.

Quais são as conseqüências da política proibicionista em relação às drogras?

A proibição radical de certas drogas é baseada em racismo e reflete uma guerra cultural, não uma política de saúde. É uma inconsequência baseada no medo e não na razão. É importante lembrar que a proibição de drogas é seletiva e irracional, drogas perigosas como álcool, tabaco e açúcar refinado são regulamentadas e drogas muito menos perigosas como maconha, ecstasy e alucinógenos são radicalmente proibidas e reprimidas irracionalmente.

As consequências da proibição arbitrária de certas drogas são muito piores do que as consequências advindas do seu uso. A interdição não protege ninguém e afeta toda a população. A diminuição da oferta de certas drogas tem um custo altíssimo e com pouca comprovação de resultados desejáveis. Finalmente, a proibição impede o uso de certas drogas com potencial médico importante como as três citadas anteriormente: maconha, ecstasy e os psicoativos como o LSD, a psilocibina, a ayahuasca e outras.

Como ficam os estudos relacionados às drogas em um contexto não legalização?

JM: A pesquisa científica é muito afetada não apenas pelas dificuldades de obtenção de insumos, mas também pela dificuldade de separar os efeitos advindos da droga daqueles advindos de sua proibição.

João Menezes – médico e pesquisador  do Programa de Anatomia e do Programa de Diferenciação Celular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/CCS) da UFRJ

Entrevista publicada no site da ADUFRJ (Associação de Docentes da UFRJ).