Quem são os professores da América Latina e Caribe?
Segundo a avaliação do Banco Mundial deste ano, melhorar a educação em América Latina e o Caribe depende de melhorar a qualidade dos professores. Esta organização elaborou um extenso informe (1) sobre como poderia ser melhorado o aprendizado na região, com foco principal na formação de professores “excelentes”. Carlos Ayala Ramírez, da Agência Lationamericana de Informação, analisa os dados e as questões levantadas pelo Banco Mundial, sem esquecer que as práticas econômicas e políticas deste órgão tem prejudicado o desenvolvimento educativo da nossa região (2). Mesmo considerando que estes estão longe de serem os únicos fatores que devem ser modificados para realmente melhorar a educação na América Latina, resulta interessante fazer uma leitura crítica e refletir sobre os pontos destacados no informe.
Quem são os professores da América Latina e Caribe?
Uma recente pesquisa do Banco Mundial procura dar uma resposta a esta pergunta: quem são os professores da América Latina? Em princípio, a pesquisa faz uma avaliação quantitativa, “Todos os dias, mais de 7 milhões de professores vão para as suas salas de aula em toda a América Latina e o Caribe. Estes homens e mulheres representam 4% do total da força de trabalho na região e mais de 20% dos trabalhadores técnicos e de nível superior. Seus salários representam cerca de 4% do produto interno bruto (PIB) da região”. Em seguida, fala sobre as diferenças nas condições de trabalho, desde escolas rurais de tijolo de barro até os estabelecimentos de primeira qualidade. E o crucial: os professores são cada vez mais reconhecidos como atores chave nos esforços da região para melhorar a qualidade e os resultados educativos.
O estudo afirma que a qualificação docente é necessária e urgente, porque no mundo de hoje estão se transformando os objetivos dos sistemas nacionais de educação, deixando de lado a mera transmissão de informações e memorização, para focar nas capacidades dos estudantes; ou seja, o desenvolvimento do pensamento crítico, a capacidade de resolver problemas e a disposição para a aprendizagem permanente. Na segunda etapa, a pesquisa investiga as características e o desempenho dos professores em nossa região. O quadro é preocupante. Três das seis características descritas no relatório são as seguintes.
Em sua maioria são mulheres de posição socioeconômica relativamente baixa. Cerca de 75% dos professores da América Latina são mulheres, mas o intervalo vai de 62% no México e 82% no Uruguai, Brasil e Chile. Além disso, os dados sobre a entrada na Universidade mostram que os estudantes que procuram as carreiras relacionadas à educação pertencem a um nível socioeconômico mais baixo e são mais propensos a estar na primeira geração de suas famílias que têm a faculdade, comparado com aqueles que entram em outras carreiras. Além disso, na maior parte da América Latina, o corpo docente está envelhecendo. No Peru, Panamá e Uruguai, o professor tem em média mais de 40 anos; os professores mais jovens da região estão em Honduras e Nicarágua, e tem em média 35 anos.
Altos níveis de educação formal, porém habilidades cognitivas limitadas. A pesquisa sugere que a educação formal dos professores tem aumentado em toda a região. Em 1995, apenas 19% dos professores do ensino primário no Brasil teve formação Universitária; em 2010 a proporção era de 62%. Hoje, nos 10 países da América Latina e do Caribe onde se realizou a pesquisa domiciliar, o nível de educação formal dos professores é maior que o de outros trabalhadores profissionais e técnicos.
Porém, o aumento da educação formal é prejudicado pela evidência de que, na América Latina, aqueles que entram na carreira docente são academicamente menos sólidos do que o conjunto geral dos estudantes no ensino superior. Os alunos de 15 anos que manifestam estar interessados em serem professores têm as menores pontuações do Programa Internacional de Avaliação de Alunos. Dados extraídos de exames de admissão às Universidades refletem um quadro semelhante. No Chile, os estudantes que se aplicam para ingresso nos programas de formação de professores recebem uma média de 505 no teste de seleção universitária; a média de estudantes de direito é 660; de engenharia, 700, e medicina, 745.
Além disso, o relatório observa que há poucos estudos diretos dedicados a avaliar quanto sabem os professores latino-americanos sobre as matérias que ensinam, mas os estudos existentes mostram um descompasso preocupante entre as qualificações formais dos professores e as suas capacidades cognitivas. Nada menos que 84% dos professores da sexta série do Peru ficaram abaixo do Nível 2 em uma prova feita em 2006, em que o nível 3 era equivalente ao domínio do conhecimento em matemática correspondente a sexta série. Em testes realizados na Colômbia, Equador e Chile, para medir o domínio do conteúdo, menos de 3% dos professores receberam pontuação considerada excelente.
Salários relativamente baixos. Em termos mensais, os salários dos professores de 2010 foram entre 10% e 50% inferiores aos de outros profissionais de atividades “equivalentes”, esta proporção se manteve ao longo dos anos 2000. Os salários docentes aumentaram muito lentamente enquanto outros trabalhadores recebem melhores salários na medida em que acumulam experiência. Na educação também se observa uma escassa diferenciação salarial comparada com outros setores, independente da capacidade, talento ou experiência. Ao conseguir um emprego na educação o indivíduo assegura um salário com poucas variações em uma faixa relativamente estreita, com pouco risco de receber uma baixa quantia, porém menos propenso a receber um alto salário. Em consequência, se sugere aumentar os salários em alguns países para o vencimento médio dos professores adquira competitividade e não ao contrário. Porém adverte-se que os aumentos dos salários causariam apenas uma melhoria na qualidade, se não forem acompanhadas de políticas públicas dirigidas a incrementar a seletividade dos programas de formação de professores.
Algumas das conclusões mais importantes do estudo: 1) a baixa qualidade média dos professores da América Latina e no Caribe é a principal restrição que impede o avanço educacional na região; 2) a qualidade dos professores na região está comprometida pela má gestão do conteúdo acadêmico e das práticas ineficazes em sala de aula; e 3) no momento nenhum corpo docente da região (com a possível exceção de Cuba) pode ser considerado de alta qualidade em comparação com os parâmetros globais. Então, mais uma vez, surge a necessidade de implementar políticas educacionais orientadas para dar centralidade na qualidade docente. E mais uma vez somos lembrados de que por cima da infra-estrutura, da tecnologia e o número de alunos por sala de aula, um bom professor é aquele que pode garantir o êxito de um processo de aprendizagem, assim como um mau pode garantir o seu fracasso. E mais uma vez devemos lembrar ao grupo do Banco Mundial que suas políticas econômicas, em determinadas circunstâncias e condições, também minam o papel do Estado como provedor de bens e serviços de qualidade, em âmbitos estratégicos da sociedade, como a educação.
(1) O informe “Profesores excelentes, como mejorar el parendizaje em América Latina y el Caribe” está disponível neste link: http://www.bancomundial.org/content/dam/Worldbank/Highlights%20&%20Features/lac/LC5/Spanish-excellent-teachers-report.pdf
(2) Artigo original publicado na Agencia Latinoamericana de Informação, http://alainet.org/active/76952