O pavio está curto em Buenos Aires

Buenos Aires, Argentina. Anteontem (26/06/2014) por volta das 16 h da tarde, trabalhadores de diversas empresas norte-americanas instaladas na Argentina se manifestaram no centro da Capital Federal para mostrar seu repúdio ao anuncio de uma demissão em massa. Não havia nenhuma bandeira de sindicatos, tão pouco partidos políticos, só pequenas organizações operarias autônomas. Estavam concentrados na esquina de duas famosas avenidas, a Corrientes com Callao, ocupavam duas das três vias e o trânsito já começava a ficar confuso. Havia muita polícia e um cordão, feito majoritariamente por policiais femininas, ornamentados com capacete, colete e escudo, impedia que os manifestantes fechassem toda a avenida.

Após cerca de uma hora os trabalhadores decidiram fechar a Avenida Corrientes, os policiais tentaram impedi-los, utilizando os meios já conhecidos por nós brasileiros: spray de pimenta e bombas de efeito moral. Porém, os manifestantes resistiram, empurrando os escudos do choque e atirando objetos, que encontravam pelo chão, contra os policiais. Pronto, neste momento a Av. Corrientes estava fechada para o trânsito de automóveis, criando um caos considerável na cidade, já que esta avenida é uma de suas artérias principais. Os policiais se contentaram formando um cordão enfrentando os manifestantes, enquanto ouviam cantos do tipo: “que triste deve ser reprimir operários para poder comer”.

Operários caminham em direção ao obelisco. Foto: pavio.net

Operários caminham em direção ao obelisco. Foto: pavio.net

O colaborador do pavio estava do lado dos manifestantes e teve a oportunidade de acompanhar algumas entrevistas que eles davam para diferentes meios de comunicação, tanto para grupos formais, inclusive a TV pública, quanto alternativos, que nitidamente são poucos por aqui quando comparamos com o recente e grande crescimento da mídia independente no Brasil. Logo depois a passeata começou a andar, e era emocionante ver os operários, com suas roupas de trabalho, caminhando de braços dados ao som de “queremos a unidade dos trabalhadores”, pela avenida.  Ao chegar à esquina com a Av. 9 de Julio, em frente ao famoso obelisco, os policiais fizeram um cordão impedindo o acesso, contando agora com o apoio de um caminhão de jato d’água. Neste momento os manifestantes discutiram se o melhor seria desistir ou continuar e tentar passar pelo bloqueio das forças da “ordem”. Após alguns minutos de idas e voltas a decisão foi continuar e tentar chegar até o obelisco. Os homens mais fortes foram pra linha de frente. Uma segunda linha de homens também fechou os braços.  Esperávamos o confronto. Policias com suas motocicletas com as luzes acesas apontadas para os manifestantes. Manifestantes com rostos sérios e punhos apertados. E de repente… os policias pegaram suas motos e seu camião lança água deram meia volta e deixaram os manifestantes passar! Após isto escoltaram os operários até a Câmara de Comércio Norte-americana, onde foram soltados fogos e se gritaram palavras de ordem. Em mais alguns minutos os diferentes grupos falaram ao microfone, convocavam para outras reuniões e atos, e logo se dispersaram.

Polícia fecha acesso a avenida 9 de Julio. Foto: pavio.net

Polícia fecha acesso a avenida 9 de Julio. Foto: pavio.net

Não houve confronto, não houve violência, não houve revista às pessoas, nem tão pouco detenções arbitrárias, porém estava claro que todos os presentes estavam dispostos a enfrentar qualquer que fosse a limitação dos seus direitos de manifestarem livremente. Estava claro que bastava a violação que já estavam sofrendo dos seus empregadores e isso já era motivo para qualquer outra forma de resposta agressiva.

"Quando o fogo crescer eu quero estar lá". Foto: pavio.net

“Quando o fogo crescer eu quero estar lá”. Foto: pavio.net

Pareceu evidente que o governo avaliou as perdas e os ganhos de ter um confronto em pleno centro financeiro e turístico de Buenos Aires. Jogada inteligente. Mas o clima na Argentina está quente. Milhares de operários demitidos em diferentes setores, inflação sem precedentes, expropriação das fabricas que tinham sido coletivizadas na década passada, problemas constantes do transporte público (que continua aumentando as tarifas), crise da saúde e greve dos professores universitários… A capital federal parece um barril de pólvora, quando e como vai estourar é difícil prever, mas parece que o pavio está curto.